sábado, 10 de julho de 2010

Los dezessiete


Lembro-me a quando tive acesso algumas noções de espanhol através de um casal de missionários peruanos de uma igreja presbiteriana que eu freqüentava, tenho que admitir que sempre tive admiração pelas línguas latinas, mais a partir desse período me tornei um apaixonado por musicas castelhanas e italianas, aprendi uma porção delas, ouvi incansavelmente equilíbrio distante do Renato e alguns hinos cristãos centenários em castelhanos gravados em uma fica cassete velha que ganhara de um amigo.
Mas meu amor por musicas castelhanas vinha de um tempo bem anterior, quando certa vez ouvi na casa da minha professora de piano, simplesmente, a mais bela, singela, delicada, perfeita e suave voz de toda a minha vida, acompanhada de um dedilhado de violão quase que divino. Por quase 5 minutos fiquei inerte, apenas ouvindo aquela linda canção. A música chama-se Volver a los 17 cantada por Mercedes Sosa. Mercedes foi uma das mais lindas vozes que o mundo já ouviu, de uma afinação e firmeza vocal impar e uma capacidade de interpretação quase que divina. Mercedes era argentina, se foi há pouco tempo, mas sua voz continua por ai, humilhando muitos que dizem cantar.
Como se não fosse de esperar, quase ninguém a conhece no Brasil (“aqui nos gosta de rebolation”), sinceramente tenho pena de quem nunca ouviu Volver a los 17 ou qualquer outra música de Mercedes. Inclusive acho, que obras semelhantes deveriam ser obrigatório nas escolas, como forma de combater essa contra-cultura que anda nos bombardeando, mas isso é outra coisa, o que eu quero falar e sobre Volver a los 17 que na verdade, somente ficou imortalizada na voz de Mercedes Sosa, mas que é de autoria de Violeta Parra (fui descobrir isso bem depois), a canção é bem a minha cara, é saudosista, narra sutilmente a historia de alguém que volta a seus 17 anos depois de ter vivido por quase 100 anos, algo como a perfeita vivencia da vida, a junção da beleza da juventude com a experiência dos anos, algo almejado por 10 entre 10 pessoas com muitos anos de vida. Não me acho ainda vivido suficiente para ter a experiência dos 100 anos, mais gostaria muito de voltar a meus 17 anos com as coisas que sei hoje, às vezes me pego fazendo isso, transcendendo minha alma aos 17 anos e às vezes aos 15. É a possibilidade que ninguém pode nos tirar ou interferir, a transcendência é o ponto de sustentação da sanidade daqueles que sofrem, é o poder de se vingar silenciosamente de quem não gostamos ou quem nos faz mal, é a possibilidade de irmos onde bem entendemos e estarmos com quem quisermos, mesmo estando na mais fria e escura prisão do mundo. Sei que como de costume, vou receber críticas sobre esse texto, mas duvido, que haja alguém nesse mundo, que não transcende sua alma para lugares mais belos, mais calmos e serenos. Gosto da calma e do silêncio, nele a minha viagem de volta aos meus bons dias são mais profundos e reais.

Volver a Los 17
(Violeta Parra)
Volver a los diecisiete después de vivir un siglo
es como descifrar signos sin ser sabio competente,
volver a ser de repente tan frágil como un segundo
volver a sentir profundo como un niño frente a Dios
eso es lo que siento yo en este instante fecundo.

Se va amarrando, amarrando
como en el muro la hiedra
y va brotando, brotando
como el musguito en la piedra
como el musguito en la piedra, ay si, si, si.

Mi paso retrocedido cuando el de usted es avance
el arca de las alianzas ha penetrado en mi nido
con todo su colorido se ha paseado por mis venas
y hasta la dura cadena con que nos ata el destino
es como un diamante fino que alumbra mi alma serena.

Se va amarrando, amarrando
como en el muro la hiedra
y va brotando, brotando
como el musguito en la piedra
como el musguito en la piedra, ay si, si, si.

Lo que puede el sentimiento no lo ha podido el saber
ni el más claro proceder, ni el más ancho pensamiento
todo lo cambia al momento cual mago condescendiente
nos aleja dulcemente de rencores y violencias
solo el amor con su ciencia nos vuelve tan inocentes.

Se va amarrando, amarrando
como en el muro la hiedra
y va brotando, brotando
como el musguito en la piedra
como el musguito en la piedra, ay si, si, si.

El amor es torbellino de pureza original
hasta el feroz animal susurra su dulce trino
detiene a los peregrinos, libera a los prisioneros,
el amor con sus esmeros al viejo lo vuelve niño
y al malo sólo el cariño lo vuelve puro y sincero.

Se va amarrando, amarrando
como en el muro la hiedra
y va brotando, brotando
como el musguito en la piedra
como el musguito en la piedra, ay si, si, si.

De par en par la ventana se abrió como por encanto
entró el amor con su manto como una tibia mañana
al son de su bella diana hizo brotar el jazmín
colando cual serafín al cielo le puso aretes
mis años en diecisiete los convirtió el querubín.

Voltar aos 17
Voltar aos dezessete depois de viver um século
é como decifrar signos sem ser sábio competente
voltar a ser de repente tão frágil como um segundo
voltar a sentir profundo como uma criança frente a
Deus
isso é o que eu sinto neste instante fértil.

Vai se amarrando, amarrando
como no muro a hera
e vai brotando, brotando
como o musguinho na pedra
como o musguinho na pedra, ai sim..., sim..., sim...

Meu passo recuado quando o de vocês avança
o arco das alianças penetrou em meu ninho
com todo seu colorido passeou por minhas veias
e até a dura corrente com a qual nos ata o destino
é como um diamante fino que ilumina minha alma serena


Vai se amarrando, amarrando
como no muro a hera
e vai brotando, brotando
como o musguinho na pedra
como o musguinho na pedra, ai sim..., sim..., sim...

O que pode o sentimento não o pôde o saber
nem o mais claro comportamento, nem o mais amplo
pensamento
tudo muda o momento qual mago condescendente
nos afasta docemente de rancores e violências
Só o amor com seu saber nos torna tão inocentes

Vai se amarrando, amarrando
como no muro a hera
e vai brotando, brotando
como o musguinho na pedra
como o musguinho na pedra, ai sim..., sim..., sim...

O amor é redemoinho de pureza original
Até o feroz animal sussurra seu doce canto
detém os peregrinos, libera os prisioneiros
o amor com seus caprichos o velho torna criança
e ao mau só o carinho o torna puro e sincero

Vai se amarrando, amarrando
como no muro a hera
e vai brotando, brotando
como o musguinho na pedra
como o musguinho na pedra, ai sim..., sim..., sim...

Completamente a janela se abriu como por encanto
entrou o amor com seu manto como uma morna manhã
ao som de seu belo toque fez brotar o jasmim
entrando qual serafim no céu colocou brincos
Meus anos em dezessete os converteu o querubim

Gostaria eu voltar a sentir profundo como uma criança frente Deus, ando me sentindo meio cinza por esses dias, sem cor, o resgate a inocência talvez seja a chave, mas como deixar de saber o que já se sabe? Seria a felicidade a arte de não saber o que nos deixa triste? Não saber dos rancores, das violências e das mentiras? Mas o amor liberta os prisioneiros, faz do velho criança. E faz o que é mal tornar-se puro e sincero, então, logo, é amor e a verdade, movido pela saudade, nos faz voltar aos 17 e nos apaixonarmos de novo pela vida, encontrarmos em um sonho bom nossos amorzinhos perdidos, nossos desejos esquecidos, nossos dias felizes. Logo presumo que nossa felicidade esta condicionada a uma boa saudade para que possamos voltar, assim como diz Rubem Alves:

“A saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar.”
Ou Pablo Neruda:

...Saudade é amar um passado que ainda não passou,
É recusar um presente que nos machuca,
É não ver o futuro que nos convida...

Mas o mais gostoso de voltar está no reencontro, presumo ser a palavra mais linda do mundo, é simplesmente tudo que queremos. Do encontro não sabemos nada, nada certo esperamos, mas do reencontro esperamos tudo, que todos nossas noites e noites de sonhos se realizem, que a luz seja exatamente leve, que o vento seja frio, que o perfume seja o mesmo que o silencio seja a trilha sonora mais intensa, que o abraço seja eterno que o toque da mão seja a cura da saudade que um olhar nos deixou.
Sempre sonhamos em nos reencontrar, cada um de nos tem algo pra reencontrar em algum lugar e pensa há anos no momento. No reencontro estão todas as nossas expectativas, tudo que esperamos na vida, muitas vezes o reencontro é com agente mesmo, muitos se perdem e nunca conseguem se encontrar, mas na maioria das vezes, esperamos reencontrar alguém que vai alegrar nossa alma, fazer de nosso espírito festa. Noutras vezes esperamos uma vida para reencontrar alguém que se perdeu dentro de si e essa pessoa nunca mais reaparece, deixa apenas um imenso vazio e silencio como resposta.
Mas onde mora o reencontro? Mora na essência do amor e da verdade, e faz com que voltemos a los 17 e sejamos felizes. Eu quero voltar ao interior de mim e ser mais forte, às vezes o que está pela frente não é para nós, muitas vezes apenas nos destrói, nos poda, nos castra. Lembro-me de um provérbio chinês que diz o seguinte:
"Com mentiras poderá ir em frente neste mundo, porém nunca poderá voltar atrás."
Nem sempre ir é o melhor, como muitos pensam, para ir, nem sempre é necessário ser honesto mas para voltar sim, por isso julgo voltar mais importante que ir. Por lá eu só encontro gente legal que me faz bem, que me fez feliz.

domingo, 4 de julho de 2010

Algo a mais (ou "Só de Sacanagem")


Essa semana, mais uma vez, eu senti vergonha de ser brasileiro. Acho que nós chegamos a um ponto irreversível, não dá mais para morar nesse país (só moro aqui por falta de opção). O grau de corrupção a falta de educação e brutalidade chegou a um patamar inconcebível. Vi no jornal alguns casos de violência nas escolas, professoras sendo queimadas, auxiliares sendo pisoteadas e porteiros sendo agredidos covardemente. Penso que esses alunos, que na verdade não deviam ser chamados de alunos e sim de bestas selvagens, deveriam nunca mais pisarem na portaria de uma escola pública, pois no caso deles, a educação já não resolve mais. Sim, é verdade, sou educador, mas não tenho a falsa ideia de que a educação resolve tudo, existe algo a mais, que está além dos anos de estudo que alguém possa ter. As pessoas mais honestas que eu conheci na minha vida, eram pessoas de baixa escolaridade. Os animais que agrediram uma doméstica essa semana, eram todos de classe média e bom grau de escolaridade. Boa índole e caráter independe de posição social e anos de cadeira de escola, existe algo mais.

Quase todos os dias via seu João vender picolés na parada de ônibus em que eu esperava para ir a universidade, mas existia uma coisa que chamava muito a minha atenção, era a honestidade daquele senhor, por vezes o vi correndo atrás de pessoas para entregar trocos esquecidos ou canetas caídas no chão, eu mesmo fiz dois ou mais testes com ele, comprava meu picolé de cupuaçu segundos antes da chegada do ônibus e saia correndo logo após sem lhe dar tempo de me dar o troco, mas não adiantava, no outro dia, religiosamente, seu João vinha me dar o troco de ontem, seu João sabia apenas ler o suficiente para apreciar seu novo testamento, livro inseparável do seu dia-a-dia.

Disse-me ele uma vez nunca ter sentado em uma cadeira de escola, lhe ensinara a ler uma vizinha de bom coração como ele mesmo dizia. Posso lhes afirmar que, em 5 anos universidade não vi, nem de perto, nada que pudesse colocar a prova a honestidade daquele homem, sua alegria era simplesmente contagiante, sempre lhe vi sorrindo e tratando todas as pessoas maravilhosamente bem, sua esperança de que as coisas iam melhorar era impressionante, sempre acreditou assim.

Existem valores que estão acima de o quanto as pessoas educaram-se institucionalmente, esses valores distanciam-se mais ainda com o processo que estamos vivendo atualmente em que os alunos estão simplesmente perdendo sua identidade, seu nome, sendo reduzido a um número no diário de classe, bons eram os tempos que a educação era artesanal, chamada nome por nome, olho no olho, leitura na mesa da professora, conversa, individual ao pé do ouvido, abraço de bom final de semana. Hoje os professores são inimigos de seus alunos, fazem provas cheias de pegadinhas para ferrar mesmo, se satisfaz com as notas baixas, vê o seu dever em reprovar, castigar, aniquilar. Assim vão se criando esses animais que espancam porteiros, idosos, queimam índios batem na mãe. Esses dias mesmo, vi no jornal que um rapaz matou a mãe com um chute no estomago, sinceramente, alguém acha que vai resolver se mandar esse animal para escola agora? Não da mais, é um ser irrecuperável, talvez fosse melhor jogá-lo com outros animais no zoológico para que ele embruteça de vez. Valores como honestidade, hoje em dia, virou sinônimo de otário, quem devolve um troco a mais ou dinheiro achado é motivo de chacota, é regra levar vantagem em tudo que puder, às vezes não é nem por precisão, mas pelo simples prazer de levar vantagem, é isso o que muitos chamam de jeitinho brasileiro, parece que um negócio cultural mesmo, aqui todo mundo acha bonito, mas lá fora é horrível, todo mundo tem medo de brasileiro, tem fama de ladrão, bagunceiro e vadio. Não adianta reclamar, essa é a imagem que a maioria faz questão de vender, mas o pior mesmo é que esses valores estão sendo passados “oficialmente” nas escolas, vi uma vez uma professora chamar o gari que devolveu 5 mil dólares no aeroporto de São Paulo de otário, dizia ela não devolver nunca, principalmente porque seu salário era de merda, agora eu lhes pergunto, que valor essa professora pode passar para seus alunos? O valor do jeitinho brasileiro? O jeitinho de ficar com o a borracha da coleguinha ou o lápis do amiguinho? Mais pra frente o jeitinho de roubar na balança? Ou quem sabe um jeitinho de ficar com 10% da obra construída? Ou mesmo 20% do dinheiro da merenda das crianças? Assim vamos formando nossos futuros corruptos, tudo oficiosamente, tudo na escola. Dizem ainda que o salário de professor é baixo, mas para esse tipo eu acho que ainda ta muito alto, deviam diminuir mais um pouco.

Só de sacanagem vou publicar o poema de Elisa Lucinda chamado “Só de sacanagem”

Meu coração está aos pulos!
Quantas vezes minha esperança será posta à prova?
Por quantas provas terá ela que passar?
Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam
entupidas de dinheiro, do meu dinheiro, que reservo
duramente para educar os meninos mais pobres que eu,
para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus
pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e
eu não posso mais.
Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança
vai ser posta à prova? Quantas vezes minha esperança
vai esperar no cais?
É certo que
tempos
difíceis existem para aperfeiçoar o
aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus
brasileiros venha quebrar no nosso nariz.
Meu coração está no escuro, a luz é simples, regada ao
conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e
dos justos que os precederam: “Não roubarás”, “Devolva
o lápis do coleguinha”,
” Esse apontador não é seu, minha filhinha”.
Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido
que escutar.
Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca
tinha visto falar e sobre a qual minha pobre lógica
ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao
culpado interessará.
Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do
meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear:
mais honesta ainda vou ficar.
Só de sacanagem!
Dirão: “Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo
o mundo rouba” e eu vou dizer: Não importa, será esse
o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez. Eu, meu
irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a
quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês.
Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o
escambau.
Dirão: “É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde
o primeiro homem que veio de Portugal”.
Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal.
Eu repito, ouviram? IMORTAL!
Sei que não dá para mudar o começo mas, se a gente
quiser, vai dá para mudar o final!

(Elisa Lucinda – Só de sacanagem)

Enquanto ao seu João que vendia picolé, voltei eu 8 meses depois de formado ao mesmo lugar, seu João já não estava mais lá, a senhora ao lado me falou que ele tinha ido embora há dois meses, quando em uma ação policial de “limpeza das calçadas” de vendedores ambulantes, a policia - super delicadamente, diga-se de passagem - quebraram-lhe uma perna e um braço e destruíram seu carrinho. Mas muita gente continua lá na calçada, sabe por quê? Porque pagam sua mensalidade aos policiais, são protegidos. Eu sabia que seu João nunca ia me decepcionar, ele não entrou no esquema, pois seu João tem uma coisa diferente dentro dele, coisa que as escolas não ensinam e que faltam de monte aos policiais que lhe bateram que se chama honestidade, quase em extinção nesse país, mais ainda existe. Seu João eu tenho orgulho de ter lhe conhecido, aonde quer que o senhor esteja.