domingo, 4 de julho de 2010

Algo a mais (ou "Só de Sacanagem")


Essa semana, mais uma vez, eu senti vergonha de ser brasileiro. Acho que nós chegamos a um ponto irreversível, não dá mais para morar nesse país (só moro aqui por falta de opção). O grau de corrupção a falta de educação e brutalidade chegou a um patamar inconcebível. Vi no jornal alguns casos de violência nas escolas, professoras sendo queimadas, auxiliares sendo pisoteadas e porteiros sendo agredidos covardemente. Penso que esses alunos, que na verdade não deviam ser chamados de alunos e sim de bestas selvagens, deveriam nunca mais pisarem na portaria de uma escola pública, pois no caso deles, a educação já não resolve mais. Sim, é verdade, sou educador, mas não tenho a falsa ideia de que a educação resolve tudo, existe algo a mais, que está além dos anos de estudo que alguém possa ter. As pessoas mais honestas que eu conheci na minha vida, eram pessoas de baixa escolaridade. Os animais que agrediram uma doméstica essa semana, eram todos de classe média e bom grau de escolaridade. Boa índole e caráter independe de posição social e anos de cadeira de escola, existe algo mais.

Quase todos os dias via seu João vender picolés na parada de ônibus em que eu esperava para ir a universidade, mas existia uma coisa que chamava muito a minha atenção, era a honestidade daquele senhor, por vezes o vi correndo atrás de pessoas para entregar trocos esquecidos ou canetas caídas no chão, eu mesmo fiz dois ou mais testes com ele, comprava meu picolé de cupuaçu segundos antes da chegada do ônibus e saia correndo logo após sem lhe dar tempo de me dar o troco, mas não adiantava, no outro dia, religiosamente, seu João vinha me dar o troco de ontem, seu João sabia apenas ler o suficiente para apreciar seu novo testamento, livro inseparável do seu dia-a-dia.

Disse-me ele uma vez nunca ter sentado em uma cadeira de escola, lhe ensinara a ler uma vizinha de bom coração como ele mesmo dizia. Posso lhes afirmar que, em 5 anos universidade não vi, nem de perto, nada que pudesse colocar a prova a honestidade daquele homem, sua alegria era simplesmente contagiante, sempre lhe vi sorrindo e tratando todas as pessoas maravilhosamente bem, sua esperança de que as coisas iam melhorar era impressionante, sempre acreditou assim.

Existem valores que estão acima de o quanto as pessoas educaram-se institucionalmente, esses valores distanciam-se mais ainda com o processo que estamos vivendo atualmente em que os alunos estão simplesmente perdendo sua identidade, seu nome, sendo reduzido a um número no diário de classe, bons eram os tempos que a educação era artesanal, chamada nome por nome, olho no olho, leitura na mesa da professora, conversa, individual ao pé do ouvido, abraço de bom final de semana. Hoje os professores são inimigos de seus alunos, fazem provas cheias de pegadinhas para ferrar mesmo, se satisfaz com as notas baixas, vê o seu dever em reprovar, castigar, aniquilar. Assim vão se criando esses animais que espancam porteiros, idosos, queimam índios batem na mãe. Esses dias mesmo, vi no jornal que um rapaz matou a mãe com um chute no estomago, sinceramente, alguém acha que vai resolver se mandar esse animal para escola agora? Não da mais, é um ser irrecuperável, talvez fosse melhor jogá-lo com outros animais no zoológico para que ele embruteça de vez. Valores como honestidade, hoje em dia, virou sinônimo de otário, quem devolve um troco a mais ou dinheiro achado é motivo de chacota, é regra levar vantagem em tudo que puder, às vezes não é nem por precisão, mas pelo simples prazer de levar vantagem, é isso o que muitos chamam de jeitinho brasileiro, parece que um negócio cultural mesmo, aqui todo mundo acha bonito, mas lá fora é horrível, todo mundo tem medo de brasileiro, tem fama de ladrão, bagunceiro e vadio. Não adianta reclamar, essa é a imagem que a maioria faz questão de vender, mas o pior mesmo é que esses valores estão sendo passados “oficialmente” nas escolas, vi uma vez uma professora chamar o gari que devolveu 5 mil dólares no aeroporto de São Paulo de otário, dizia ela não devolver nunca, principalmente porque seu salário era de merda, agora eu lhes pergunto, que valor essa professora pode passar para seus alunos? O valor do jeitinho brasileiro? O jeitinho de ficar com o a borracha da coleguinha ou o lápis do amiguinho? Mais pra frente o jeitinho de roubar na balança? Ou quem sabe um jeitinho de ficar com 10% da obra construída? Ou mesmo 20% do dinheiro da merenda das crianças? Assim vamos formando nossos futuros corruptos, tudo oficiosamente, tudo na escola. Dizem ainda que o salário de professor é baixo, mas para esse tipo eu acho que ainda ta muito alto, deviam diminuir mais um pouco.

Só de sacanagem vou publicar o poema de Elisa Lucinda chamado “Só de sacanagem”

Meu coração está aos pulos!
Quantas vezes minha esperança será posta à prova?
Por quantas provas terá ela que passar?
Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam
entupidas de dinheiro, do meu dinheiro, que reservo
duramente para educar os meninos mais pobres que eu,
para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus
pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e
eu não posso mais.
Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança
vai ser posta à prova? Quantas vezes minha esperança
vai esperar no cais?
É certo que
tempos
difíceis existem para aperfeiçoar o
aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus
brasileiros venha quebrar no nosso nariz.
Meu coração está no escuro, a luz é simples, regada ao
conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e
dos justos que os precederam: “Não roubarás”, “Devolva
o lápis do coleguinha”,
” Esse apontador não é seu, minha filhinha”.
Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido
que escutar.
Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca
tinha visto falar e sobre a qual minha pobre lógica
ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao
culpado interessará.
Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do
meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear:
mais honesta ainda vou ficar.
Só de sacanagem!
Dirão: “Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo
o mundo rouba” e eu vou dizer: Não importa, será esse
o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez. Eu, meu
irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a
quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês.
Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o
escambau.
Dirão: “É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde
o primeiro homem que veio de Portugal”.
Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal.
Eu repito, ouviram? IMORTAL!
Sei que não dá para mudar o começo mas, se a gente
quiser, vai dá para mudar o final!

(Elisa Lucinda – Só de sacanagem)

Enquanto ao seu João que vendia picolé, voltei eu 8 meses depois de formado ao mesmo lugar, seu João já não estava mais lá, a senhora ao lado me falou que ele tinha ido embora há dois meses, quando em uma ação policial de “limpeza das calçadas” de vendedores ambulantes, a policia - super delicadamente, diga-se de passagem - quebraram-lhe uma perna e um braço e destruíram seu carrinho. Mas muita gente continua lá na calçada, sabe por quê? Porque pagam sua mensalidade aos policiais, são protegidos. Eu sabia que seu João nunca ia me decepcionar, ele não entrou no esquema, pois seu João tem uma coisa diferente dentro dele, coisa que as escolas não ensinam e que faltam de monte aos policiais que lhe bateram que se chama honestidade, quase em extinção nesse país, mais ainda existe. Seu João eu tenho orgulho de ter lhe conhecido, aonde quer que o senhor esteja.



Um comentário:

Unknown disse...

Quando a impunidade se consilida na casa onde deveria ser combatida, ninguém respeita mais nada!