Sabe de uma coisa? As minhas coisas não valem pra você
como valem pra mim, muito menos as suas valem pra mim o
quanto são grandiosas para você. Isso é uma conclusão que
tirei de anos de desavenças. Até perceber que os olhos
mensuram as coisas de maneira diferente e briguei muito.
Antigamente queria que todos vissem com os meus olhos,
como não consegui, aprendi que cada um vê com seus
próprios olhos, e atribuem valores as coisas de acordo com
uma infinidade de variáveis, de sentimentos e acontecimentos.
Certo dia fiquei alarmado, pois um homem tinha batido em sua
mulher por que ela teria quebrado um pote (daqueles antigos,
de guardar água), a principio fiquei atemorizado, achando mais
um dos diversos absurdos que costumo presenciar todos os
dias, os olhos de inocência e fragilidade da mulher me levaram
a quase nem querer ouvir a versão do suposto agressor.
Quando o agressor se apresentou e começou a falar, eu já
estava decidido de que ele era um canalha, que não merecia o
mínimo de piedade. Quando começou a contar a história do
pote, de sua infância, de sua casinha de barro coberta de
pedaços de madeira, chão batido, do fogão a lenha, das vezes
que ia ao igarapé buscar água, do terreiro grande rodeado de
árvores que existia no local, do pequeno bosque atrás de sua
casa, onde nunca “batia sol forte” onde brincava com seus
irmão e primos, do barulho de da bota de seu pai no caminho
de volta pra casa, das viagens de canoa que fazia com sua
família, e que de tudo aquilo, que fiquei imaginando na minha
cabeça como se estivesse simplesmente vendo tudo. E depois
de me contar toda a história, olhou pra mim com os olhos
mareados e disse: sabe a única coisa que me tinha sobrado de
tudo isso? O pote que ela quebrou.
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Tenho que admitir que não pudessem existir palavras que
me desmontassem mais do que aquelas que aquele homem
me disse. Depois disso a mulher se levantou de onde estava e
os olhos que me pareciam de inocência no inicio, já eram olhos
de demônio, a voz mansa e frágil agora era agressiva e cheia
de cólera. Falava ela que não aguentava aquela porcaria
daquele pote dentro de casa e que ele era um idiota de ficar
lembrando “pobrezas” do passado. No final de tudo ela acabou
confessando que não houve agressão alguma, e que o
machucado que apresentava era de estilhaços do pote que lhe
atingiram, e que na verdade ficou com raiva, pois seu marido
tinha ido embora de casa por causa de um “simples pote”.
Lembro-me de quando ia visitar meus primos João e
Sócrates (Na verdade o nome dele é Nelson, mas todos nós
chamamos assim) mesmo quando fui morar lá, na mesma
cidade. Brincávamos de um milhão de coisas no pátio sempre
ventilado da casa deles, futebol, basquete, futebol de botão,
bola de gude (aqui na minha região chamada de peteca), mas
o que gostava mesmo era de brincar em baixo da árvore de
flores amarelas que ficava ao lado, até hoje o cheiro daquelas
flores moram dentro de mim, lembro que juntávamos todas as
flores que podíamos e fazíamos colares para nossas mães, de
quando subíamos em seus galhos e prendíamos cata-ventos
coloridos com giz de cera e ficávamos a ver qual deles rodava
mais rápido, ou mesmo quando subíamos para pegar a bola
que sempre ficava presa no telhado ao lado. Não sei dizer por
que, mas sempre que lembrava de lá, a árvore de flores
amarelas vinha na minha cabeça, assim como seu perfume
também. Só sentia que tinha chegado à cidade quando a
avistava. Até que um dia cheguei e descobri que ela tinha sido
cortada, não sei se foi coincidência, mas depois disso, as
coisas nunca mais foram às mesmas. Não sei quem a cortou,
mas sei que se soubesse o quanto era importante pra mim,
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não teria feito isso, assim como eu acho que era importante pro
João e pro Sócrates também.
Lembrei-me da história da mulher que ficou anos sem falar
com o marido por que ele cortou algumas plantas de seu
jardim. Mas tudo isso ocorre, pois não sabemos o valor que
cada objeto representa para cada uma das pessoas ao nosso
redor, olhamos, avaliamos e queremos que o mundo gire de
acordo com nossos valores, somente eles. Não somos
capazes de entender o preço sentimental que cada coisa tem
para determinada pessoa. É certo que existem pessoas que
não conseguem ver valor que não seja financeiro nas coisas,
mas dessas pessoas eu prefiro não falar. Já briguei muito por
coisas que enxergava com olhos diferentes, agora já não faço
isso, sei que é perda de tempo.
Sei que tem gente que nunca vai aprender a distinguir tais
valores, vai querer ter suas coisas e sentimentos respeitados,
mas nunca vai respeitar o próximo, tem gente que nem
descobriu ainda que os outros tem sentimento, não ligam, não
se importam. Mas o mundo gira e o destino de pessoas rudes é
que sua efêmera beleza (quando há) se vá, e a solidão fique,
assim como a mulher que quebrou o pote, fiquei sabendo que
tentou desesperadamente procurar seu ex-companheiro que
simplesmente não quis mais contato, alegando que cansou de
suas grosserias. Dizem alguns, que ela o humilhava
frequentemente e dizia que ele nunca a deixaria, mas o pra
sempre, sempre acaba, e o nunca, um dia acontece.
E quanto à árvore de flores amarelas estou planejando
plantar uma em frente a minha casa, para que eu possa sentir
seu cheiro, para que meus filhos possam brincar em baixo dela
como eu fiz com meus primos, quero que eles tenham
lembranças boas da infância assim como tenho. Que o coração
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deles fique cheio de saudade boa, pois em coração que tem
“saudade boa” não há lugar para mágoas.
Estou fazendo uma faxina no meu coração, quero cultivar,
cada vez mais minhas lembranças de meninice, não vou deixar
ninguém atrapalhar isso, preciso descartar minhas magoas,
preencher o espaço delas para que não voltem mais. Qualquer
dia desses vou ligar para meus primos, marcar um lugar para
nos encontrarmos e lembramos dessas bons dias que vivemos.
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Esse ano o Sócrates teve mais uma filhinha, seu nome é
Diana, nome de princesa. daqui a pouco vai se formar em
medicina, vai ser o Drº Nelson Roberto. Mas no meu coração,
ele vai ser o mesmo cara que brincava de futebol de Botão no
chão da minha casa, o João vai ser Radiologista, e por
enquanto ainda não casou, é o mesmo brincalhão de 18 anos
atrás quando brincávamos de Master System na sua casa. Às
vezes nos reunimos pra tocar. É sempre muito bom. Toda vez
que fazemos isso, parece que é a primeira vez.
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Mamãe leu o texto e plantou na frente casa da minha irmã
Nathália hoje quem brica com suas flores é seu filhinho Arthur;
5 comentários:
Lindo e emocionante este texto. Eu também guardo lembranças dessa árvore de flores amarelas, umas muito boas, outras nem tanto, mas o importante é que aos poucos a gente aprende a cultivar as boas lembranças e ter um olhar que busca as coisas boas que vivemos. A vida passa muito rápido e o olhar deve ser sempre do horizonte à frente porque a vida é um eterno desafio em busca da felicidade e todo dia precisamos lembrar e lutar por isso.
Muito lindo!
Muito lindo!
Oh, Paulinho, gostaria de expressar tão bem os sentimentos de minha meninice, adolescência e juventude como tu ao descrever sentimentos e lembranças tão valiosas! Meus parabéns!! Realmente devemos guardar as lembranças boas como jóias preciosas que amaciam a nossa alma em momentos difíceis, pois assim constatamos que possuímos muitas jóias.
Me orgulho de vc, es admirável e suas palavras criam morada em.meu coração. Te amo muitooooooooo
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