quinta-feira, 1 de maio de 2008

TALHERES DE BAMBU

Esta foi minha última produção que fiz para a universidade, e fala sobre educação especial. Esse é um dos textos que eu mais tenho orgulho de ter escrito.

TALHERES DE BAMBU

Sei que trabalhos acadêmicos não devem ser pessoais, passaram a minha jornada escolar toda repetindo isso, mas como eu sou um pouco teimoso, o meu último trabalho não poderia ser diferente, não gosto de ser burocrático, gosto de ser humano, falar o que penso. Com certeza os trabalhos burocráticos são mais fáceis de ler e de avaliar, pois eles já estavam escritos em algum lugar, só é preciso montar o mosaico, ai o professor avalia se o mosaico foi bem ou mal montado. Eu não faço mosaico de nada, eu apenas escrevo.

Posso afirmar, com toda a certeza, que seria impossível falar em educação especial de maneira burocrática depois de passar esses últimos dias pesquisando sobre o assunto, mas sei que existem pessoas que conseguem, e pior, acho que antigamente, eu também conseguia. Achava que as prioridades dos portadores de deficiências eram diferentes das prioridades das outras crianças, achava que era uma forma que o governo tinha arrumado de economizar, sinceramente não conseguia ver crianças deficientes em salas de aulas normais. Eu tinha até uma frase pronta para quando vinham me perguntar sobre educação especial, eu dizia o seguinte, “tratamentos iguais para pessoas diferentes só aumenta as diferenças”, daí eu encerrava o assunto como se minha opinião fosse definitiva, mas ai eu descobri que estava doente, muito doente, meus olhos estavam contaminados pelo mal da “linha de produção escolar”, pelo mal da busca de resultados iguais, resultados satisfatórios para o mercado, como se as crianças fossem produtos que passam por testes de padrão de igualdade, e são, ou embalados etiquetados e enviados para o mercado ou condenados, descartados e incinerados, estamos descartando e incinerando nossas crianças especiais e ninguém se da conta disso.

Acho que a maioria dos olhos ainda não estão acostumados a aceitar o diferente, nossos olhos estão doentes, muito doentes, eles não conseguem ver beleza no diferente. Nós acabamos por nos acostumar com os supermercados e suas infinitas prateleiras rigorosamente organizadas com produtos iguais, divididos por artigos. Aqui estão os produtos de limpeza, já desse outro lado estão os produtos frios, desse outro legumes, enfim, é isso que esperamos encontrar nas escolas, não conseguimos aceitar, que nossos filhos (sempre genialmente superiores a qualquer outra criança) se misturem com crianças “inferiores”, acreditamos que eles sejam mais “lerdos”, e assim sendo, vão acabar por atrasar a turma toda. É assim que a maioria das pessoas pensa, é assim que a maioria das pessoas age.

A doença da diferença está nos nossos olhos e não necessariamente no outro, uma criança deficiente não se acha inferior até que venha alguém e diga isso a ela. Mas os olhos de infelicidade das pessoas fazem questão de dizer, existem pessoas que necessitam cultivar os olhos de infelicidade, e acabam por destruir a igualdade das pessoas, e o equilíbrio das coisas, a beleza da diversidade. Não sei por que achava que as crianças especiais não poderiam aprender em uma escola “normal”, o que se deve aprender em uma escola “normal”? Alguém pode me dizer? Para que se estuda o que se estuda? Para decorar um monte de coisas, pra poder passar no vestibular, pra poder conseguir um bom emprego, e com isso ganhar bastante dinheiro? Para poder ser feliz, acho que é esse o caminho que se imagina. Mas acho que poderíamos encurtar um pouco esse caminho, pois para crianças especiais, o simples direito de poder conviver com as pessoas já lhe fazem felizes, o simples direito de poder brincar, conversar, fazer gestos, interagir, já é suficiente. Mas os olhos doentes de infelicidade de alguns, não admitem ter o “desprazer” de ver crianças especiais espalhadas por todos os cantos, pelos parques, pelas praças e principalmente pelas escolas. Preferem que fiquem enclausurados em lugares desconhecidos, para não correrem o risco de vê-las. É assim que um monte de gente pensa, é assim que um monte de gente faz. Mas quando se tratando de discurso, é cada um mais bonito do que o outro, todo mundo tem um discurso bonito pra falar, mas dificilmente condizem com a prática, enquanto isso, a discriminação continua solta, as crianças especiais continuam sendo maltratadas e sem escolas para estudar.

De tudo que aprendi, tenho um conselho para dar para as pessoas de olhos doentes, espero que eles nunca fiquem velhos, pois a velhice vem acompanhada de varias deficiências, deficiência auditiva, deficiência visual, deficiência física, existe uma parábola que ilustra bem esse conselho.

- juntos o pai, a mãe, um filho de 5 anos, e o avô, velhinho, vista curta, mãos trêmulas. Às refeições, por causa de suas mãos fracas e trêmulas, ele começou a deixar cair peças de porcelana em que a comida era servida. A mãe ficou muito aborrecida com isso, porque ela gostava muito do seu jogo de porcelana. Assim, discretamente, disse ao marido: Seu pai não está mais em condições de usar pratos de porcelana. Veja quantos ele já quebrou! Isso precisa parar... O marido, triste com a condição do seu pai mas, ao mesmo tempo, sem desejar contrariar a mulher, resolveu tomar uma providência que resolveria a situação. Foi a uma feira de artesanato e comprou uma gamela de madeira e talheres de bambu para substituir a porcelana. Na primeira refeição em que o avô comeu na gamela de madeira com garfo e colher da bambu o netinho estranhou. O pai explicou e o menino se calou. A partir desse dia ele começou a manifestar um interesse por artesanato que não tinha antes. Passava o dia tentando fazer um buraco no meio de uma peça de madeira com um martelo e um formão. O pai, entusiasmado com a revelação da vocação artística do filho, lhe perguntou: O que é que você está fazendo, filhinho? O menino, sem tirar os olhos da madeira, respondeu: Estou fazendo uma gamela para quando você ficar velho...

Para todas as pessoas que não conseguem conviver com as diferenças eu tenho apenas um desejo, de que quando ficarem velhos, tenham pelo menos alguma pessoa que “suporte” suas deficiências e lhes comprem pelo menos uns talheres de bambu.

4 comentários:

Rosália disse...

Muito legal o texto...lembrei de uma conversa nossa uma vez sobre isso...sobre as crianças especias e a escola...o que era feito com elas...lembrei agora tbm dakela vez q vimos um velhinho caido na rua e ninguém parou pra ajuda-lo de imediato...é aí q devemos vê q a velhice tras essas séries de consequências...lembra disso???
Bjão!!!

Anônimo disse...

Rosalia

Lembro sim, precisamos aprender a conviver.

A! disse...

Nossas ações e atitudes de hoje, seram usadas na gente no futuro! Vai ser o reflexo, do que ensinamos, q vamos ver... =)

Belo texto! Mas uma vez parabens Paulinho ^^

Abraço!

Anônimo disse...

os seus textos sao fantasticos, cada vez que leio descubro algo diferente.. um grande abraço voce é mt especial.. ja falei isso pra vc.