domingo, 31 de agosto de 2008

O POÇO


Cais, às vezes, afundas
em teu fosso de silêncio,
em teu abismo de orgulhosa cólera,
e mal consegues
voltar, trazendo restos
do que achaste
pelas profunduras da tua existência.

Meu amor, o que encontras
em teu poço fechado?
Algas, pântanos, rochas?
O que vês, de olhos cegos,
rancorosa e ferida?

Não acharás, amor,
no poço em que cais
o que na altura guardo para ti:
um ramo de jasmins todo orvalhado,
um beijo mais profundo que esse abismo.

Não me temas, não caias
de novo em teu rancor.
Sacode a minha palavra que te veio ferir
e deixa que ela voe pela janela aberta.
Ela voltará a ferir-me
sem que tu a dirijas,
porque foi carregada com um instante duro
e esse instante será desarmado em meu peito.

Radiosa me sorri
se minha boca fere.
Não sou um pastor doce
como em contos de fadas,
mas um lenhador que comparte contigo
terras, vento e espinhos das montanhas.

Dá-me amor, me sorri
e me ajuda a ser bom.
Não te firas em mim, seria inútil,
não me firas a mim porque te feres.

Pablo Neruda


Porque insistir em afundar nesse poço de rancor, desilusão, tristeza? Porque insisto em tentar te machucar se a dor e tão ruim, e eu não quero mais pra mim? Se sei que quando tento, me machuco mais ainda? Porque gostamos de sofrer? De navegar nos pântanos mais sombrios? Porque não conseguimos deixar de nos destruir? Porque sempre lembrar do que machuca? Gostar de quem nos machuca, de quem nos faz mal? Não sei, só sei que gostaria que minha ausência estivesse cheia do perfume de Deus. Atenção, Deus está falando, mas não conseguimos entender que é sua voz, não conhecemos a voz de Deus, fingimos não saber de nada. Será que você já se perguntou assim: será que tudo em mim é mais intenso? acho que La fora todo mundo parece não ligar, parece que La fora ninguém sofre de amor como eu sofro, ninguém sente saudade como eu sinto, a dor não dói tanto como a minha. Então a voz responde:
- você é um escolhido, pra você tudo é maior, você também sente de forma mais profunda o cheiro das flores, enxerga com mais beleza a primavera, sente com maior profundidagem o silêncio apaixonado, você tem o dom de dizer aos outros.
Então eu pergunto a voz: não seria melhor não ser assim? Mas a voz nada me responde. Muitas vezes desejei do mais profundo intimo, não sentir tanto, não enxergar tão longe, não ir mergulhar tão profundo, pois minhas quedas são tão grandes, minhas decepções e descotentamentos tão imensos, minha ausência tão gigantesca que acho que nada disso vale à pena.
João morava na vila esquecida, lá existiam poucas famílias além da do João, lá ninguém sabia quem era presidente do Brasil e nem quem era Ronaldinho Gaucho, muito menos quem era a Flora. Lá, na vila esquecida, morada do João, não existia televisão. João estava prestes há completar 20 anos, já tinha sua própria plantação de mandioca, feita sobre o pedaço de terra que seu pai lhe deu, esse ano, se tudo der certo, vai casar com Maria que está quase com 19 anos. Já faz mais ou menos cinco anos que eles namoram, a avô da Maria não aprova muito o casamento, pois diz que João ainda tem parentesco por parte de pai, mas o resto da família até que gosta. Mamãe de Maria já está bordando os lençóis, arte aprendida com a bisavô anos atrás. Maria não vê a hora de começarem a construção da casa, mas isso é rápido, todo mundo se junta num final de semanas desse e faz um mutirão pra cavar barro e pegar pau no mato, a palha da coberta, seu Mariano já deu todinha, só falta ajeitar a roda da carroça pra ir buscar lá depois do córrego. Tudo é perfeito, nos finais de semana todos vão a comunidade vizinha dançar forró e baio do Luiz Gonzaga. Lá, na vila esquecida de João e Maria todo mundo é feliz, para João, Maria é a menina mais linda do mundo e para Maria, João é o menino mais lindo do universo, pois o universo deles são apenas eles, todo mundo é feliz.
Semana passada João veio a primeira vez na cidade, todo mundo estava a criticá-lo por perceber que estava boquiaberto com a imensidão de tudo, tudo para ele era coisa nova, coisa diferente, coisa que nem imaginara que pudesse existir, se assustou quando viu o tamanho das casas que as pessoas moravam, das carroças sem cavalo, das ruas grandes, daquela imensidão de gente, todos ficaram com pena de João, por parecer tão matuto, mas eu, fiquei com pena de mim por saber de tanta coisa que me entristece, senti uma inveja imensa da felicidade de João e Maria enquanto ainda estavam descontaminados da inveja do saber. Maria, que nunca tivera tirado os olhos dos olhos de seu amado olhou para o lado para contemplar a beleza dos homens altos em carruagens de ferro e óculos escuros, nesse momento algo diferente aconteceu, quando seu olhar voltou à imagem de João, João já não era mais João, já não se encontrava ali, a beleza que sempre encontrou, então, nunca mais, as coisas voltaram a ser como antes. Mesmo depois de voltarem à vila esquecida, as coisas já não tinham mais graça, Maria passou então a desejar uma liberdade infinita, então suas mãos se soltaram João ficou, mais Maria se foi. De certo que ele nunca esqueceu, apesar de não admitir, pois em seus olhos dava pra ler uma poesia de Mario Quintana que diz o seguinte:

DO AMOROSO ESQUECIMENTO

Eu agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

Maria nunca encontrou o infinito que foi buscar, e morreu no esquecimento de um quarto de empregada qualquer. João, nunca mais foi dançar Luiz Gonzaga e muito menos quis voltar à cidade, passou o resto de sua vida lembrando e se machucando, passou o resto da vida dentro de um poço escuro e por mais que todos o chamassem para claridade, ele nunca vinha, algumas fofoqueiras diziam que ele gostava de viver daquele jeito, gostava de ser triste, mas no fundo não era verdade, ele não conseguia esquecer. Dizem que morreu sorrindo, feliz por estar descansando de uma dor que só ele sabia, e com a esperança de encontrar Maria de novo, não a Maria que lhe deixou, mais sim uma Maria que nada sabia.

Um comentário:

Anônimo disse...

Nossa Paulinho, esse texto é lindo! *-* A-DO-REI...rs

Queria q fosse assim, ver apenas o que é simples, porém, verdadeiro.
Como dizia o Renato:

"As pequenas coisas são as que valem mais..."

=)

Abraço!

Att:

Arliene.